26 janeiro 2010

O canto intelectual da Campus Party

Até achei engraçado não ler nada sobre a Campus Party por aqui. Apesar que eu também tava marcando bobeira e só descobri há poucas horas que ela tá rolando agora. Então, pra começar com o lead jornalístico:

Campus Party 2010 - de 25(ontem) a 31 de janeiro.

Bem, se você é tecnófilo o recado já está dado: seu corpo e seus gadgets naturalmente gravitarão em direção ao Centro de Exposições Imigrantes. Mas se você não é tecnófilo, que é o meu caso, meu convite é especialmente para você. Nem encane com a presunção da palavra "intelectual" no título desse texto, mas o fato é que o tema Internet tem muito assunto para quem curte história, psicologia, sociologia, filosofia, e é claro, comunicação - e que não faz ideia de como mandar um email por celular. Acho que é saudável gente querendo falar de Internet nesse sentido, principalmente fora do meio acadêmico, onde essas referências estão bem mais tímidas. Pense na quantidade de vezes que você já ouviu falar em redes sociais, comunidades virtuais, web 2.0, blogs - você faz alguma ideia da onde cada um desses termos surgiu? E nem quero dizer que é incompetência da sua parte: a origem e os conceitos de alguns deles estão pouco presentes nas pautas informativas.

Por isso, aos interessados, recomendo fortemente um debate da Campus Party que vai ser papo inteligente - BLOG Debate: Cibercultura e pesquisas sobre blogs e conversações online. O que me dá essa fé é a presença de André Lemos na mesa, talvez a sumidade brasileira em cibercultura. Sandra Montardo também desenvolveu estudos sobre netnografia, coisa séria. Se as questões levantadas forem boas, acho difícil sair bobagem dali.

Esse debate vai começar amanha, mas parece que o quente mesmo vai ser na quinta. Deem uma conferida aqui e no blog da Campus Party.

E bença!

*Recomendações:

Cibercultura - André Lemos

Apresenta com forte embasamento histórico e sociológico como se deu a mediação das relações pela internet e as implicações sociais disso. É um livro que põe o pé no chão e explica muito sobre o que é cibercultura, além de temas relacionados, como movimento cyberpunk, sexo virtual, e outros.





Cibercultura - Pierre Lévy

Esse aqui já seria a sumidade internacional no assunto, entendem? Mas independente disso, eu tenho a impressão de que o efeito deste livro é o contrário do de Lemos - enquanto o anterior põe o pé no chão, esse tira. Não por apresentar um ponto de vista contrário, mas o tom que Lévy fala é quase poético, bem melhor para divagações sobre o papel da Internet, Internet na arte, na política, e assim vai.

E esse você consegue ler um pouco na própria web, aqui.

05 janeiro 2010

A Maravilhosa Experiência Livre e Deficiente



Debout sur le Zinc é uma banda francesa, difícil de enquadrar em algum estilo - tendência de muita coisa boa que se tem feito por aí. A Wikipédia até tenta rotular, dizendo que é uma mistura de música francesa com música irlandeza, rock, klezmer, gypsy jazz (jazz cigano), tango e valsa. Dá pra ter idéia do som?

Descobri a banda brincando de descobrir música boa de outros países (atividade excitante com tendências ad infinitum, alerto). Na profusão de um sem-número de ferramentas (allmusic, skreemr, last.fm, wikipedia, isohunt), a ideia é ir separando o joio do trigo (via gosto - o parâmetro mais excelente que já inventaram), buscando sempre uma experiência válida e concreta com cada banda. Ocorre que, buscando a referência da referência da referência da referência, a experiência se torna mais pura, pois há pouquíssimos valores - além do som em si - relacionados com a banda. A experiência acontece dentro de um contexto mínimo - não se conhece a proposta do grupo musical, ou uma eventual roupagem adotada, rótulos ou estilos -, o que permite que a música soe mais alta do que outros potenciais parâmetros de julgamento e contemplação.

Quem gosta de baixar coisa nova sabe do que eu tô falando. Nossa posição como caçador de tesouros é ativa; digo, a banda não vem até a gente, mas a gente vai até ela, e pra isso é imprescindível que ela exista em quantos espaços virtuais forem possíveis. E ouvir pela primeira vez um banda recém baixada, da qual não se sabe nada além do nome, apenas deixando-a escorrer pelo tempo e pela sala, é das coisas mais gostosas de se fazer. Entretanto, esse deslocamento contextual nos deixa nus dentro de um universo experimental que, por vício ou virtude, se relaciona frequentemente com valores periféricos, como os estimulos visuais da identidade gráfica e do figurino dos músicos; a identificação com o perfil do fã-comum; opniões da crítica especializada e dos formadores de opnião; e os demais símbolos e signos que giram em torno do objeto. Exponho, por absurdo que soe: é possivel experimentar uma banda sem mesmo ouvir suas músicas.

O que quero dizer é que a internet nos propõe experiências mais puras (livres de valores orbitantes) do que as que temos fora dela - e talvez, por causa disso, experiências menores, deficientes. Não falo apenas de música, mas de literatura, artes plásticas, o que quer que seja. Exemplifico: ler uma poesia, no blog Maná Zinabre, do Leo Curcino ou do Heyk Pimenta e vê-los falar a mesma poesia num sarau são experiências distintas, que vão criar impressões e entendimentos diferentes. No blog têm-se uma identidade gráfica, uma proposta coletiva bastante aberta e a possibilidade de diagramação no texto. No sarau vemos a cara do sujeito, sua roupa, o tom de sua voz, as flexões e as gaguejadas, a reação da platéia; ali ele está inserido num contexto onde há iguais, e relacionamento com esses iguais; há o sotaque goiano do primeiro e o mineiro do segundo. A cabeleira cacheada, o modo sedutor e o sorriso sem-vergonha do segundo, assim como o jeito tímido e sincero do primeiro, dotado de um "quê" indígena (e algo feminino, sem duvidar de toda macheza) nas feições. Todo esse trem periférico - esse anel planetário - se mescla com a poesia que é dita e forma um só corpo, uma só existência.

De nós, experimentadores de primeira mão (já que somos a primeira geração que creceu com a coisa-internet), surge um modo novo de entender, processar e interpretar o mundo. Aliás, é desse mundo, de experiências virtuais e não-virtuais, puras e deficientes ou saturadas de valores periféricos, que a gente tira a matéria prima e cria valores pra fazer o que a gente tem chamado de vida. Não é?



Texto originalmente escrito para a coluna do dia 1 da revista-blog Maná Zinabre.