05 janeiro 2010

A Maravilhosa Experiência Livre e Deficiente



Debout sur le Zinc é uma banda francesa, difícil de enquadrar em algum estilo - tendência de muita coisa boa que se tem feito por aí. A Wikipédia até tenta rotular, dizendo que é uma mistura de música francesa com música irlandeza, rock, klezmer, gypsy jazz (jazz cigano), tango e valsa. Dá pra ter idéia do som?

Descobri a banda brincando de descobrir música boa de outros países (atividade excitante com tendências ad infinitum, alerto). Na profusão de um sem-número de ferramentas (allmusic, skreemr, last.fm, wikipedia, isohunt), a ideia é ir separando o joio do trigo (via gosto - o parâmetro mais excelente que já inventaram), buscando sempre uma experiência válida e concreta com cada banda. Ocorre que, buscando a referência da referência da referência da referência, a experiência se torna mais pura, pois há pouquíssimos valores - além do som em si - relacionados com a banda. A experiência acontece dentro de um contexto mínimo - não se conhece a proposta do grupo musical, ou uma eventual roupagem adotada, rótulos ou estilos -, o que permite que a música soe mais alta do que outros potenciais parâmetros de julgamento e contemplação.

Quem gosta de baixar coisa nova sabe do que eu tô falando. Nossa posição como caçador de tesouros é ativa; digo, a banda não vem até a gente, mas a gente vai até ela, e pra isso é imprescindível que ela exista em quantos espaços virtuais forem possíveis. E ouvir pela primeira vez um banda recém baixada, da qual não se sabe nada além do nome, apenas deixando-a escorrer pelo tempo e pela sala, é das coisas mais gostosas de se fazer. Entretanto, esse deslocamento contextual nos deixa nus dentro de um universo experimental que, por vício ou virtude, se relaciona frequentemente com valores periféricos, como os estimulos visuais da identidade gráfica e do figurino dos músicos; a identificação com o perfil do fã-comum; opniões da crítica especializada e dos formadores de opnião; e os demais símbolos e signos que giram em torno do objeto. Exponho, por absurdo que soe: é possivel experimentar uma banda sem mesmo ouvir suas músicas.

O que quero dizer é que a internet nos propõe experiências mais puras (livres de valores orbitantes) do que as que temos fora dela - e talvez, por causa disso, experiências menores, deficientes. Não falo apenas de música, mas de literatura, artes plásticas, o que quer que seja. Exemplifico: ler uma poesia, no blog Maná Zinabre, do Leo Curcino ou do Heyk Pimenta e vê-los falar a mesma poesia num sarau são experiências distintas, que vão criar impressões e entendimentos diferentes. No blog têm-se uma identidade gráfica, uma proposta coletiva bastante aberta e a possibilidade de diagramação no texto. No sarau vemos a cara do sujeito, sua roupa, o tom de sua voz, as flexões e as gaguejadas, a reação da platéia; ali ele está inserido num contexto onde há iguais, e relacionamento com esses iguais; há o sotaque goiano do primeiro e o mineiro do segundo. A cabeleira cacheada, o modo sedutor e o sorriso sem-vergonha do segundo, assim como o jeito tímido e sincero do primeiro, dotado de um "quê" indígena (e algo feminino, sem duvidar de toda macheza) nas feições. Todo esse trem periférico - esse anel planetário - se mescla com a poesia que é dita e forma um só corpo, uma só existência.

De nós, experimentadores de primeira mão (já que somos a primeira geração que creceu com a coisa-internet), surge um modo novo de entender, processar e interpretar o mundo. Aliás, é desse mundo, de experiências virtuais e não-virtuais, puras e deficientes ou saturadas de valores periféricos, que a gente tira a matéria prima e cria valores pra fazer o que a gente tem chamado de vida. Não é?



Texto originalmente escrito para a coluna do dia 1 da revista-blog Maná Zinabre.

2 comentários:

Unknown disse...

ei, menina, eu adorei esse do troller aqui embaixo...... amei......


seguindo, beijos

Leo Curcino disse...

grande Victão. gostei da citação do meu nome e das característiscas que me foram dadas hahahaha. acho que tenho um pouco de tudo isso mesmo.

esse blog eu nao conhecia. conheci por acaso. vc e suas surpresas. muito bem escrito. ta aí. isso é liberdade pura.